Marcia Barbosa, segundo lista da ONU, uma das mulheres cientistas que todos e todas deveriam conhecer

Marcia Barbosa, segundo lista da ONU, uma das mulheres cientistas que todos e todas deveriam conhecer

Diretora da Academia Brasileira de Ciências e membro da Academia Mundial de Ciências, Marcia Cristina Bernardes Barbosa foi eleita uma das 20 mulheres mais influentes do Brasil em 2020 pela revista Forbes. Marcia desde jovem era apaixonada pela ciência e após receber convite para trabalhar na criação de um laboratório de ciências na escola e ter tido mais contato com a física e a química teve a certeza de que era isso que ela queria para a vida. Hoje, suas principais áreas de estudo e atuação são referentes as propriedades da água e ao combate a discriminação de gênero na ciência.

Após entrar na universidade, em uma turma onde das 80 pessoas apenas 8 eram mulheres, Marcia percebeu que as mulheres na liderança e nas áreas das ciências eram poucas e resolveu mudar esse cenário, incentivando mulheres com projetos. Marcia também foi a primeira mulher presidente do diretório acadêmico de física, vale ressaltar ainda que ela fez sua graduação quando o Brasil passava pela ditadura militar.

1. Quais foram suas motivações para virar cientista?

Marcia: A emoção da descoberta. Lembro quando criança, quando tentava entender algo e meu pai me ajudava, não explicando, mas guiando com perguntas, a emoção de entender algo em ciência. Ainda na juventude trabalhei no laboratório da escola pública montando experimentos, cada vez que conseguia montar algo, era uma imensa emoção. Eu queria isto para o resto da minha vida

2. Por que decidiu concorrer à presidência do centro acadêmico? Considera essa decisão como sendo um divisor de águas em sua vida?

Marcia: Eu era uma das poucas mulheres na física, no movimento estudantil as mulheres não assumiam papéis protagonistas na época, eu decidi então que precisava dar o primeiro passo, abrir esta porta que permitiria outras virem depois.

3. Qual é a sensação de estar na lista da ONU de mulheres cientistas que todos deveriam conhecer ao lado de Marie Curie e na Academia Brasileira de Ciências?

Marcia: No ano passado além da ONU e de ser diretora da ABC, entrei na Academia Mundial de Ciências e a revista Forbes me listou como uma das 20 mulheres mais poderosos do Brasil. O que senti? Ganhei forças, pois sei que tenho que continuar na luta por uma sociedade inclusiva e justa. Não escondo modestamente os prêmios. Tenho que usar cada prêmio, cada premiação como um instrumento de transformação. Não são meus, são de todas que lutaram comigo e que vieram antes. São das jovens que estão na luta.

4. De todas as conquistas que obteve em sua carreira, de qual você mais se orgulha?

Marcia: O que mais me orgulham são os meus estudantes. Cada um e cada uma ocupando a sua posição no mundo, atuando com ética e responsabilidade social. Eles são parte desta rede que está construindo um Brasil melhor.

5. O que te motivou a começar a pesquisa na área de discriminação de gênero na ciência?

Marcia: Sou cientista de exatas e só consigo entender o que quantifico. Queria entender por que somos tão poucas na física e por que somos tão poucas no poder em todas as áreas. Para isto quantifico, publico e isto naturalmente levou a criar uma linha de pesquisa no meu grupo. Estudar física teórica e questões sociais não é algo tão absurdo. O meu grupo em física se beneficia com a visão de ciências sociais e o meu grupo de ciências sociais se beneficia do conhecimento em exatas.

6. Qual foi a maior dificuldade que você enfrentou durante seu trajeto? Em algum momento sentiu que você foi tratada de forma diferente (negativa ou positiva), com a imposição (ou não) de barreiras, por questões de gênero? Isso chegou a te fazer pensar em desistir?

Marcia: Durante a minha trajetória científica enfrentei todos os preconceitos listados nos livros textos de gênero e que agora ganharam epelidos na mídia: Gaslighting, Mansplaining, Manterrupting, Bropriating.

GASLIGHTING – Acontece quando numa conversa o homem leva a mulher a achar que enlouqueceu ou que ela está enganada sobre um assunto. Usa o seu privilégio de homem para dizer em meio a uma conversa.

Ouvi muitas vezes: Marcia, você está exagerando. Está louca ...

MANSPLAINING - Um homem usa seu tempo para explicar um tema no qual a mulher é especialista.

Ouvi muitas vezes homens que NUNCA estudaram nada de gênero ou de física vir me explicar por que temos poucas mulheres na física ou me contar efeitos em física

MANTERRUPTING - O homem interrompe várias vezes a mulher, de maneira desnecessária, não permitindo que ela consiga prosseguir com seu raciocínio.

Comum em reuniões nem me darem a palavra e, quando consigo a palavra, sou sistematicamente interrompida

BROPRIATING - O homem se apropria da mesma idéia  de uma mulher,.

Comum em uma reunião uma mulher dar uma ideia, não darem bola, para depois um homem dar a mesma ideia e aplaudirem.

7. O que você faz para que os(as) estudantes que você forma contribuam na luta da igualdade de gênero no meio científico?

Marcia: Conversar sobre diversidade, agir com diversidade da forma mais ampla: sexo, raça, região do país, classe social ...

8. Existe alguma iniciativa sua ou que você presenciou e que gerou bons resultados na conscientização das pessoas ou efetiva ocupação de espaços de liderança no meio científico por mulheres? Se sim, como ela poderia ser replicada em outros lugares, em espaços como universidades?

Marcia: Há cerca de 20 anos trabalhamos pela licença maternidade das bolsas de mestrado, doutorado e produtividade em pesquisa. Conseguimos. Isto pode ser ampliado ao se avaliar mulheres em instituições levarmos em conta a maternidade e o impacto da maternidade na produção .

9. O que você diria para uma jovem que está passando por uma situação de discriminação num ambiente predominantemente ocupado por homens?

Marcia: Converse com outras mulheres e forme um grupo para reagir. Juntas podemos.

10. Poderia explicar um pouco sobre seu campo de pesquisa / sua pesquisa para dessalinização da água? E por que escolheu esse campo?

Marcia: Eu faço modelos computacionais para sistemas físicos. Observando moléculas em água percebi que a água tem um comportamento muito doido. Faz tudo diferente dos outros líquidos e resolvi estudar as doiduras da água. Uma destas doiduras é que a água se move bem rápido em poros nanométricos. Daí veio a ideia de usar esta mobilidade para construir filtros para dessalinizar a água do mar. Hoje desenvolvemos modelos destes filtros.

11. Você já explicou em entrevistas anteriores que é física teórica e trabalha no desenvolvimento inicial de um projeto que, na prática, ainda não é possível. Como militante da causa de mulheres na ciência, já lhe ocorreu alguma ideia que colaboraria muito para a causa, mas ainda não é possível pôr em prática?

Marcia: Eliminar o viés inconsciente. Viés inconsciente é o que leva  em uma seleção se escolher um homem mesmo tendo um CV pior. Viés inconsciente é o que leva professores chamarem meninos de gênios e meninas de esforçadas quando os dois tem o mesmo desempenho. Eliminar  os  corredores rosa nas lojas de brinquedo. Os brinquedos deveriam ser para todos e todas.

Nathane Lima

Nathane Lima

Nathane é estudante de Engenharia Elétrica, gosta de literatura e arte e ama animais.